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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ateísmo e Nova Religiosidade - (Parte 2)

O desafio à Igreja

O surto e a expansão dos novos grupos religiosos em nossos tempos sugere várias reflexões:

1) Vê-se que o homem e Deus não estão mais em competição mútua, como se pensava no século passado. O ser moderno não quer dizer ser irreligioso ou arreligioso; nossa época não é uma época pós-religiosa, como se diz por vezes.

2) Acontece, porém, que a religião hoje reaparece depois da onda de ateísmo do século passado, (...) reaparece desligada da razão ou na base de emoções e sentimentos. Isto se deve a dois fatores principais:

a) as soluções racionais e normais parecem insuficientes para atender ao homem; a ciência já não oferece o que dela esperou o cientificismo; donde o recurso à magia, ao milagroso, ao extraordinário, que os homens querem tornar ordinário ou cotidiano;

b) a onda de antitelectualismo iniciada em meados do século XIX com Sören Kierkegaard (+ 1848) perdura até hoje, ao menos no tocante à metafísica e à religião. - Sem a bússola da razão ou do raciocínio, o senso religioso (que costuma ser sempre muito forte), pode degenerar no fantasioso, imaginativo e até no desumano, como acontece no fanatismo e nos grupos pretensamente orientados por vozes e mensagens do além. A razão jamais poderá compreender as verdades da fé, mas poderá examinar a testar as credenciais da mesma.

3) Mais do que nunca, o fiel católico precisa do dom do discernimento dos espíritos, para que se possa orientar entre as correntes de pensamento ambíguas que o cercam. À fé não se opõe apenas o ateísmo, mas também a idolatria da nova religiosidade.

4) Consequentemente, o fiel católico que deseje enfrentar o mundo de hoje, não pode dispensar sólida formação doutrinária. A Igreja não favorece o antitelectualismo; ela precisa de pessoas preparadas no campo filosófico e no teológico para poder dialogar com o mundo contemporâneo. Não basta pensar na Pastoral ou na ação prática; requer-se um cabedal de idéias claras para que a Pastoral não se desvirtue ou não venha a ser antieclesial. Também não basta que as pessoas "se sintam bem" (coisa tão procurada e estimada em nossos dias) na igreja; o sentir-se bem é algo de subjetivo e pode estar desligado da verdade e da autêntica fé. Não se exclui o "sentir-se bem", mas dê-se-lhe por fundamento a autêntica profissão de fé, que certamente tem em anexo uma parcela da Cruz de Cristo.

Esta problemática ainda será aprofundada no decorrer da entrevista que, a seguir, vai transcrita.

Uma entrevista notável
O Cardeal Paul Poupard, Presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo com os Não Crentes, respondeu nos seguintes termos ao repórter Angelo Bertani, da revista JESUS (edição de maio 1989, pp. 74s):

Repórter: "Afirma o Cardeal Daneels¹ que a alternativa para a fé não é necessariamente o ateísmo, mas pode ser a idolatria. Que diz V. Exma.?"

Paul Poupard: "De fato; o ateísmo puro é extremamente raro. Sartre diz em uma de suas obras, "Les Mots", aliás uma obra-prima literária: "O ateísmo é um empreendimento difícil e de longo fôlego. Creio tê-lo realizado até o fim". Sim; Sartre, Marx, Engels tinham uma certa inteligência cientificista ou niilista. Mas a questão se põe para Nietzsche: que é a sua exaltação da vida e do super-homem senão uma série de ídolos feitos absolutos no lugar de Deus? E Lênin, com o mito do proletariado, da revolução, do comunismo... Não seriam ídolos tudo isto? E não falamos da grande multidão daqueles que se dizem não-crentes com os seus ídolos mais terra-a-terra: sexo, dinheiro, drogas, esporte, sucesso econômico e social, prazeres estéticos e de outra ordem meramente terrena.

A idolatria conheceu um desenvolvimento extraordinário e adquiriu o caráter de culto do Estado nos países socialistas. Por exemplo, assistimos na União Soviética ao ressurgimento dos mitos arcaicos, como o culto dos heróis, dos quais o primeiro é Lênin, do fogo eterno, símbolo da vida, dos ritos do batismo (imposição do nome), da iniciação da juventude (Confirmação), do casamento e das exéquias socialistas. Aliás, é preciso dizer que essas formas de idolatria socialistas não são senão um infeliz plágio dos ritos cristãos, plágio um pouco ridículo e que desagrada ao povo".

R.: "Por conseguinte, os "novos crentes" não têm muita segurança. E os "novos ateus" não deixam de ter esperanças..."

P.P.: "Os novos crentes, os adoradores dos ídolos, encontram-se em posição insustentável. E isto, porque, após Jesus Cristo, os ídolos, os verdadeiros ídolos, são simplesmente impossíveis. Os velhos deuses não podem mais ressuscitar, não podem ser levados a sério. É impossível crer sinceramente em Vênus, Mercúrio, Dionísio, etc. Ao homem europeu que fez a experiência de Cristo e teve o conhecimento da Revelação, não resta senão uma alternativa: ou Cristo ou o nada. Os deuses pagãos morreram realmente.

Os "novos ateus", os verdadeiros ateus, podem ter esperança? Sim, porque a esperança é a virtude dos tempos trágicos. E os dados são inequívocos: adesão a Deus, que se revelou em Jesus Cristo, ou a escolha do nada. É diante desta prospectiva séria que Dostoievskij põe nos lábios de seus personagens: "O ateísmo pleno se encontra no alto da escada, no penúltimo degrau que leva à fé plena".

R.: "Que diria hoje V. Exma. a um ateu que lhe afirmasse: "Eu sou ateu!?"

P.P.: "Eu o contemplaria profundamente nos olhos (como Jesus) e lhe diria: "Que maravilha! Tu, com o teu semblante iluminado pelo Espírito, com os teus olhos em que se lê uma individualidade imortal, com todo o teu corpo, obra-prima da criação, tu, com aquilo que és, tu és a prova mais estupenda de uma evolução criadora do universo, que, logicamente, não pôde ser orientada senão por uma inteligência amorosa, que os homens, há milênios, chamam Deus". E, se ele me dissesse ainda: "Não creio em Deus", eu lhe responderia: "Mas Deus crê em ti".

R.: "E que diria V. Exma. a quem afirmasse: "A nós o fato religioso não interessa em absoluto?"

P.P.: "Eu lhe diria: "É porque vives na superfície de ti mesmo, na distração e no divertimento. E negligencias a dimensão mais profunda, mais bela, mais interessante do teu ser. A vida provavelmente tem, em certos momentos (e tu o sabes bem!), um sabor de fastio; talvez em certas ocasiões um sentimento de desespero te acometa, e isto te leva a uma procura insaciável de prazeres. Mas sabes que se trata de um beco sem saída. Entra, pois, de novo dentro de ti mesmo, descobre as tuas profundidades, a dimensão total do teu ser e então descobrirás dentro de ti algo de sagrado, inviolável, uma santidade que tu mesmo não pudeste poluir, uma fome do além, uma nostalgia de beleza".

R.: "Enfim, como enfrentar aqueles que dizem: "Fiz uma experiência à altura das minhas necessidades em tal ou tal grupo ou seita, no(a) qual me sinto realizado e seguro?"

P.P.: "Dir-lhe-ia: "Uma experiência religiosa que não seja senão a satisfação de necessidades íntimas e um meio de realizar-se, só pode ser uma ilusão, uma procura de si mesmo, o arbitrário elevado à categoria do absoluto, uma falsa segurança. Quem a faz, não sai deste mundo nem do seu eu mais ou menos turvo e egoísta. É preciso renunciar à auto-suficiência, à autossuficiência deste mundo, e aceitar uma verdade que vem de outra fonte, abrir-se ao absolutamente outro. Aceitar esse absolutamente outro que nos põe radicalmente em foco, é uma via para nos libertarmos do mundo e de nós mesmos. Esse Outro é Jesus Cristo e o seu Evangelho, vivo na sua Igreja".

R.: "Portanto, que é que ainda ensinam os "novos crentes", os "ateus" ou os "indiferentes"?

P.P.: "Os novos crentes, para os cristãos, são figuras do passado, "os velhos deuses que dormem em mortalhas de ouro" (Renan), que nada pode ressuscitar: uma posição impossível e falsa. Os indiferentes, por princípio, nada têm a dizer. "Boh!" não é uma resposta. Os "novos ateus" que levaram o seu ateísmo até o extremo, os ateus coerentes consigo mesmos, os ateus heroicos e trágicos, são os que ficam mais próximos de nós e paradoxalmente nos podem ensinar algo: um mundo de total ausência de Deus, escolhido de maneira consciente e vivido de modo trágico. Eles nos dizem o que é a ausência real e, consequentemente, nos fazem saber o que é a presença real de Deus entre nós: luz do coração, sentimento de liberdade, alegria e esperança".

Eis como o cardeal Poupard vê o ateísmo contemporâneo; julga que é algo de artificial ou violento demais para o homem, a tal ponto que os ateus mais radicais parecem fadados a ter pouca estabilidade na sua posição atéia; experimentando o vazio e o trágico de um mundo sem Absoluto e sem plenitude de valores, estão perto de passar para o campo da fé ou do reencontro do homem consigo e com os mais profundos anseios da alma humana.

O caso mais doloroso e lamentável é o dos indiferentes ou o dos que ficam descomprometidos com qualquer ideal, ainda que errôneo. Já o Apocalipse comenta a hediondez de tal atitude, atribuindo a Cristo as palavras: "Conheço tua conduta; não é nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque é morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca" (Ap 3,15s).

O cristão, portanto, ao ver um ateu sincero, honesto, fiel aos seus deveres, alimenta esperanças a seu respeito. Sim; Deus está no termo de chegada da retidão e lealdade de consciência.

¹ A propósito ver PR 208/1977, pp. 153-163.



¹ Arcebispo de Malines-Bruxelas (Bélgica).

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