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domingo, 23 de janeiro de 2011

Pregador do Papa: resposta cristã ao cientificismo ateu - Parte 2

4. A força da verdade

Vejamos como se poderia traduzir esta visão cristão da relação homem-universo no campo da evangelização. Primeiro, um prefácio. Resumindo o pensamento do mestre, um discípulo de Dionísio Areopagita enunciou esta grande verdade: "Não se deve refutar a opinião dos outros, nem se deve escrever contra uma opinião ou religião que não parece boa. Se deve escrever só a favor da verdade e não contra os outros" [15].

Não se pode absolutizar este princípio (às vezes pode ser útil e necessário refutar doutrinas falsas), mas é certo que a exposição positiva da verdade é, muitas vezes, mais eficaz que a refutação do erro contrário. É importante, creio, tomar em conta este critério na evangelização e especialmente no confronto com os três obstáculos mencionados anteriormente: cientificismo, secularismo e racionalismo. Na evangelização, é mais eficaz que a polêmica contra eles, a exposição pacífica da visão cristã, contando com a força inerente desta quando acompanhada de profunda convicção e feita, como incutia São Pedro, "com doçura e respeito" (1 Pe 3, 16).
A maior expressão da dignidade e da vocação do homem, segundo a visão cristã, foi cristalizada na doutrina da deificação do homem. Esta doutrina não teve tanta importância na Igreja Ortodoxa quanto na latina. Os Padres gregos, superando todos custos que o uso de pagão tinha acumulado sobre o conceito de deificação (theosis), fizeram dele o centro de sua espiritualidade. A teologia latina tem insistido menos sobre ela. "O propósito da vida para os cristãos gregos - lê-se no Dictionnaire des Spiritualitè - é a divinização, o que para os cristãos do Ocidente é a aquisição da santidade... O Verbo se fez carne, de acordo com os gregos, para devolver ao homem semelhança de Deus perdida em Adão e para divinizá-lo. Para os latinos, ele se fez homem para redimir a humanidade... e para pagar a dívida com a justiça de Deus" [16]. Poderíamos dizer, simplificando ao máximo, que a teologia latina, depois de Agostinho, insiste sobre o que Cristo veio tirar - o pecado -, e a grega insiste mais sobre o que ele veio dar aos homens: a imagem de Deus, o Espírito Santo e a vida divina.

Não se deve forçar demais esta oposição, como às vezes tendem a fazer alguns autores ortodoxos. A espiritualidade latina, por vezes, expressa o mesmo ideal ainda que evite o termo divinização, que, é bom lembrar, é estranho à linguagem bíblica. Na liturgia das horas da noite de Natal, vamos ouvir a vibrante exortação de São Leão Magno, que expressa a mesma visão da vocação cristã: "Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro" [17].

Infelizmente, alguns autores ortodoxos mantiveram-se firmes à controvérsia do século XIV, entre Gregório Palamas e Barlaam, e parecem ignorar a rica tradição mística latina. A doutrina de São João da Cruz, por exemplo, de que os cristãos, redimidos por Cristo e tornados filhos no Filho, estão imersos no fluxo das operações trinitárias e participam da vida íntima de Deus não é menos elevada que a da divinização, ainda que se expresse em termos diferentes. Também a doutrina sobre os dons da inteligência e da sabedoria do Espírito Santo, tão cara a São Boaventura e autores medievais, estava animada pelo mesma inspiração mística.

Não pode, contudo, deixar de reconhecer que a espiritualidade ortodoxa tem algo a ensinar sobre este ponto ao resto da cristandade, à teologia protestante ainda mais do que à teologia católica. Se existe realmente alguma coisa verdadeiramente oposta à visão ortodoxa do cristão deficado pela graça é a concepção protestante, particularmente a luterana, da justificação extrínseca e legal de que o homem redimido é, "ao mesmo tempo, justo e pecador", pecador em si mesmo, justo diante de Deus.

Acima de tudo, podemos aprender com a tradição oriental a não reservar esse ideal sublime da vida cristã a uma elite espiritual chamada a percorrer os caminhos da mística, mas oferecê-lo a todos os batizados, torná-lo objeto de catequese para o povo, de formação religiosa nos seminários e noviciados. Se volto a pensar nos meus anos de formação, me lembro de ter visto uma ênfase quase exclusiva na ascese que centrava tudo na correção de vícios e na aquisição da virtude. Quando perguntado pelos discípulos sobre o objetivo final da vida cristã, um santo russo, São Serafim de Sarov, respondeu sem hesitação: "A verdadeira finalidade da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo de Deus. Quanto à oração, o jejum, vigílias, esmolas e outras boas obras feitas em nome de Cristo, são apenas meios para adquirir o Espírito Santo" [18].

5. "Tudo foi feito por meio dele"

O Natal é a ocasião ideal para voltar a propor a nós mesmos e aos demais este ideal, patrimônio comum da cristandade. É da encarnação do Verbo que os Padres gregos derivam a própria possibilidade da divinização. São Atanásio não se cansa de repetir: "O Verbo se fez homem para que pudéssemos nos tornar Deus" [19]. "Ele se encarnou e o homem tornou-se Deus, porque se uniu a Deus", escreve por sua vez São Gregório Nazianzeno [20]. Com Cristo, é restaurado ou trazido à luz aquele ser "à imagem de Deus" que é a base da superioridade do homem sobre o restante da criação.

Dizia antes como a marginalização do homem traz consigo automaticamente a marginalização de Cristo do universo e da história. Ainda sobre este ponto de vista o Natal é a antítese mais radical da visão cientificista. Sobre isso, escutaremos proclamar solenemente: "Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada foi feito de tudo o que existe" (Jo. 1,3); "pois é nele que foram criadas todas as coisas, tudo foi criado através dele e para ele" (Col 1,16). A Igreja assumiu essa revelação e nos faz repetir no Credo: "Per quem omnia facta sunt": Por meio dele tudo foi criado.

Ouvindo estas palavras - enquanto todos à nossa volta que não fazem mais que repetir "O mundo se explica sozinho, sem necessidade da hipótese de um criador", ou "somos frutos do acaso e da necessidade" - se dá, sem dúvida, um choque, mas é mais fácil que se produza um conversão e floresça a fé depois de um choque como esse que com uma longa argumentação apologética. A questão crucial é: seremos capazes, nós que aspiramos reevangelizar o mundo, de expandir nossa fé a essa dimensão? Nós realmente acreditamos, de todo o coração, que "todas as coisas foram feitas por meio de Cristo e em vista de Cristo"?

Em seu livro Introdução ao Cristianismo, há muitos anos, Santo Padre, escreveu:

"A segunda parte principal do Credo coloca-nos propriamente diante do elemento cristão fundamental: a crença de que o homem Jesus, um indivíduo executado na Palestina pelo ano 30, é o 'Cristo' (ungido, escolhido) de Deus, e mais: é o próprio Filho de Deus, centro e opção de toda a história humana... Contudo, o primeiro impacto desta realidade causa escândalo ao pensamento humano: Não nos tornamos com isto vítimas de um tremendo positivismo? Será razoável agarrar-nos à palhinha de um único acontecimento histórico? Poderemos ousar fundamentar a nossa existência inteira, e até a história toda, sobre o que não passa de pobre palha de um acontecimento qualquer a boiar no grande oceano da história?" [21].

Para estas questões, Santo Padre, nós vamos responder sem hesitar, como faz o senhor nesse livro e como não se cansa de repetir hoje, na sua qualidade de Sumo Pontífice: Sim, é possível, é libertador e alegre. Não por nossas forças, mas pelo dom inestimável da fé recebemos e pela qual damos graças infinitas a Deus.

[1] Bento XVI, Motu Proprio "Ubicunque et semper".

[2] João Paulo II, Parole sull'uomo, Rizzoli, Milano 2002, p. 443; cf. anche Enc. "Fides et ratio", n. 88.

[3] J. Monod, Il caso e la necessità, Mondadori, Milano, 1970, pag. 136-7. [Ed. original francesa: Jacques Monod, Le Hazard et la necessité. Essai sur la philosophie naturelle de la biologie moderne. Seuil, Paris 1970; English trans. Chance and Necessity. An Essay on the Natural Philosophy of Modern Biology, Vintage 1971].

[4] M. Planck, O conhecimento do mundo físico, (cit. por Timossi, op.cit. p. 160)

[5] J.H. Newman, in The Letters and Diaries, vol. XXIV, Oxford 1973, pp. 77 s.

[6] J.H. Newman, Apologia pro vita sua, Brescia 1982, p.277


[7] J.H. Newman, Lo sviluppo della dottrina cristiana, Bologna 1967.


[8] Monod, op. cit. p. 136.


[9] P. Atkins, citado por Timossi, op. cit. p. 482.



[10] B. Pascal, Pensamentos.



[11] M. Blondel et A. Valensin, Correspondance, Aubier, Paris, 1957, p. 47.



[12] In Origene, Contra Celsum, IV, 23 (SCh 136, p.238; cf. IV, 74 (ib. p. 366)



[13] Cf. M. Pohlenz, O homem grego, Firenze 1962.



[14] In Origene, op. cit., IV, 30 (SCh 136, p. 254).



[15] Scolii a Dionísio Areopagita in PG 4, 536; cf. Dionísio Areopagita, Lettera VI (PG, 3, 1077).



[16] G. Bardy, in Dct. Spir., III, col. 1389 s.



[17] São Leão Magno, Sermo 21, 3: CCL 138, 88 (PL 54, 192-193)



[18] Diálogo com Motovilov, em Irina Gorainoff, Serafino di Sarov, Gribaudi, Turin 1981. p. 156.



[19] S. Atanasio, J. Quasten, Patrologia, II, 22-83; Obras: PG 25-28.



[20] S. Gregorio Nazianzeno, Discursos teológicos, III, 19 (PG 36, 100A).



[21] J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, Herder, São Paulo, 1970. Versão brasileira do Pe. José Wisniewski Filho, S.V.D., do original alemão Einführung in das Christentum



[Traduzido do original italiano por Márcia Ameriot]



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