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domingo, 23 de janeiro de 2011

Pregador do Papa: resposta cristã ao cientificismo ateu - Parte 1

CIDADE DO VATICANO, domingo, 5 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - Apresentamos a primeira pregação do Advento pronunciada na última sexta-feira pelo Pe. Raniero Cantalamessa OFM cap, pregador da Casa Pontifícia, diante de Bento XVI e da cúria romana, sobre "A resposta cristã ao cientificismo ateu".

Primeira Pregação do Advento

"Quando olho para o teu céu, obra de tuas mãos, vejo a lua e as estrelas que criaste: Que coisa é o homem?" (Sal 8, 4-5)

A resposta cristã ao cientificismo ateu

1. A tese do cientificismo ateu

As três meditações deste Advento 2010 querem ser uma pequena contribuição à necessidade da Igreja que levou o Santo Padre Bento XVI a instituir o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização e escolher este tema para a próxima Assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos: Nova evangelizatio ad cristianam fidem tradendam - A nova evangelização para a transmissão da fé cristã.

A intenção é identificar alguns "nós" ou obstáculos que fazem muitos países de antiga tradição cristã "refratários" à mensagem do Evangelho, como diz o Santo Padre no Motu Proprio com o qual estabeleceu o novo Conselho [1]. Os "nós" ou os desafios que eu pretendo levar em consideração e aos quais eu gostaria de tentar dar uma resposta de fé são o cientificismo, o secularismo e o racionalismo. O apóstolo Paulo classifica esses desafios como "as muralhas e fortalezas que se levantam contra o conhecimento de Deus" (cf. 2 Cor 10:4).

Nesta primeira meditação examinemos o cientificismo. Para compreender o que se entende com este termo podemos começar pela descrição feita por João Paulo II:

"Outro perigo a ser considerado é o cientificismo. Esta concepção filosófica recusa-se a admitir, como válidas, formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências positivas, relegando para o âmbito da pura imaginação tanto o conhecimento religioso e teológico, como o saber ético e estético." [2].
Podemos resumir assim a tese principal desta corrente de pensamento:

Primeira tese. A ciência e, particularmente a cosmologia, a física e a biologia, são a única forma objetiva e séria de conhecimento da realidade. "As sociedades modernas, escreveu Monod, estão construídas sobre a ciência. Devem a ela sua riqueza, sua potência e a certeza de que a riqueza e o poder ainda serão maiores e mais acessíveis amanhã ao homem, se ele o quiser [...]. Equipadas com todo o poder, dotadas de toda riqueza que a ciência oferece, nossas sociedades ainda tentam viver e ensinar sistemas de valores, já prejudicados pela mesma ciência subjacente" [3].

Segunda tese. Esta forma de conhecimento é incompatível com a fé que se baseia em pressupostos que não são nem demonstráveis nem refutáveis

Nesta linha, o ateu militante R. Dawkins chega ao ponto de chamar de "analfabetos" os cientistas que se dizem crentes, esquecendo-se de tantos cientistas mais famosos do que ele que já se declararam e continuam declarando-se crentes.

Terceira tese. A ciência já demonstrou a falsidade ou, pelo menos, a inutilidade da hipótese de Deus. É a afirmação que recebeu ampla cobertura dos meios de comunicação do mundo meses atrás, à raiz de uma declaração do astrofísico inglês Stephen Hawking. Este, ao contrário do que já havia escrito anteriormente, sustenta em seu último livro The Grand Design, que o conhecimento advindo da física torna desnecessário acreditar numa divindade criadora do universo: "a criação espontânea é a razão pela qual as coisas existem".

Quarta tese. Quase a totalidade ou a grande maioria dos cientistas são ateus. Esta é a afirmação do ateísmo científico militante, que tem em Richard Dawkins, autor do livro God's Delusion (Deus, um delírio), seu mais ativo propagador.

Todos estes argumentos se revelam falsos, não do ponto de vista do raciocínio a priori ou da argumentação teológica e da fé, mas da própria análise dos resultados da ciência e das opiniões de vários cientistas ilustres do passado e do presente. Um cientista do calibre de Max Planck, o pai da física quântica, diz sobre a ciência aquilo que Agostinho, Tomás de Aquino, Pascal, Kierkegaard e outros já tinham afirmado sobre a razão: "A ciência leva a um ponto, além dele não pode mais dirigir" [4].

Não repetirei a refutação dos argumentos anunciados que já foi feita por cientistas e filósofos competentes. Cito, por exemplo, a crítica pontual de Roberto Timossi, no livro L'illusione dell'ateismo. Perché la scienza non nega Dio (A ilusão do ateísmo. Porque a ciência não nega Deus), que tem apresentação do cardeal Angelo Bagnasco (Edições São Paulo 2009). Limito-me a uma observação elementar. Na semana em que a mídia espalhou a declaração acima, de que a ciência tornou desnecessária a hipótese de um criador, eu me vi na necessidade, na homilia de domingo, de explicar a cristãos muito simples de uma cidade de Reatino onde estava o erro fundamental de cientistas e ateus e porque não deveriam ficar impressionados com a sensação despertada por essa declaração. Fiz isso com um exemplo que pode ser útil repetir aqui em um contexto tão diferente.

"Existem aves noturnas, como a coruja, cujos olhos são feitos para ver no escuro da noite, não de dia. A luz do sol cega. Estes pássaros sabem tudo e se movem com agilidade no mundo noturno, mas não são ninguém no mundo diurno. Vamos adotar, por um momento, o tipo de fábulas nas quais os animais falam uns com os outros. Suponha que uma águia faça amizade com uma família de corujas e converse com elas sobre o sol: como ele ilumina tudo, como, sem ele, tudo iria mergulhar no escuro e no frio, como seu próprio mundo noturno não existiria sem o sol. O que diria a coruja? "Você mente! Nunca vi o seu sol. Nos movemos muito bem e conseguimos alimento sem ele. Seu sol é uma hipótese inútil, não existe".

É exatamente isso que faz o cientista ateu quando diz: "Deus não existe". Julga um mundo que não conhece, aplica suas leis a um objeto que está fora do seu alcance. Para ver Deus é necessário olhar com uma perspectiva diferente, aventurar-se fora da noite. Neste sentido, ainda é válida a antiga afirmação do salmista: "Diz o insensato: Deus não existe".
2. Não ao cientificismo, sim à ciência

A rejeição do cientificismo não deve, naturalmente, levar à rejeição ou à desconfiança na ciência, assim como uma rejeição do racionalismo não nos leva a rejeitar a razão. Fazer o contrário seria um desserviço à fé, antes mesmo que à ciência. A história tem nos ensinado dolorosamente onde nos leva uma atitude como essa.

De uma atitude aberta e construtiva à ciência, nos deu um exemplo luminoso o novo beato John Henry Newman. Nove anos depois da publicação da obra de Darwin sobre a evolução das espécies, quando não poucas pessoas ao redor se mostravam turbadas e perplexas, ele assegurava, exprimindo um juízo que antecipava o juízo atual da Igreja sobre a não incompatibilidade da teoria com a fé católica. Vale a pena escutar novamente trechos centrais da sua carta ao canônico J. Walker, que ainda conservam grande parte de sua validade:

"Essa [a teoria de Darwin] não me assusta [...] Não me parece que se negue a criação pelo fato do Criador, milhões de anos atrás, ter imposto leis à matéria. Não negamos nem delimitamos o Criador por ter criado a ação autônoma que deu origem ao intelecto humano dotado quase de um talento criativo; menos ainda negamos ou delimitamos seu poder se acreditamos que Ele tenha assinado leis à matéria tais como plasmar e construir mediante a instrumentalidade cega através de eras inumeráveis o mundo como o vemos hoje [...]. A teoria do senhor Darwin não deve ser necessariamente ateia, que ela seja verdadeira ou não; pode simplesmente estar surgindo uma ideia mais alargada da Divina Presciência e Capacidade... À primeira vista, não vejo como a 'evolução casual de seres orgânicos' seja incoerente com o plano divino - É casual para nós, não para Deus" [5].

Sua grande fé permitia que Newman visse com grande serenidade as descobertas científicas presentes ou futuras. "Quando uma enxurrada de fatos, reais ou presumidos, surge enquanto outros já se avizinham, todos os crentes, católicos ou não, se sentem chamados a examinar o significado destes fatos" [6]. Ele via nestas descobertas "uma conexão indireta com as opiniões religiosas". Um exemplo desta conexão, acredito eu, é o próprio fato de que, no mesmo ano em que Darwin elaborava a teoria da evolução das espécies, ele, independentemente, anunciava sua doutrina do "desenvolvimento da doutrina cristã". Referindo-se à analogia, neste ponto, entre a ordem natural e física e a moral, ele escreveu: "Como o Criador descansou no sétimo dia após o trabalho realizado e ainda hoje ele 'continua agindo', assim ele comunicou de uma vez por todas o Credo no princípio e continua favorecendo seu desenvolvimento e garantindo seu crescimento" [7].

Da atitude nova e positiva da Igreja católica em relação à ciência é expressão concreta a Academia Pontifícia das Ciências, na qual cientistas eminentes de todo o mundo, crentes e não crentes, encontram-se para expor e debater suas ideias sobre problemas de interesse comum para a ciência e para a fé.

3. O homem para o universo ou o universo para o homem?

Mas, repito, não é minha intenção fazer aqui uma crítica geral do cientificismo. O que gostaria de destacar é um aspecto particular de algo que tem um impacto direto e decisivo sobre a evangelização: trata-se da posição que o homem ocupa na visão do cientificismo ateu.

Há agora uma corrida entre os cientistas não crentes, especialmente os biólogos e cosmólogos, que vai mais longe ao afirmar a total marginalização e insignificância do homem no universo e mesmo no grande mar da vida. "A antiga aliança é quebrada - Monod escreveu -; o homem finalmente se sabe sozinho na imensidão do Universo do qual emergiu por acaso. Seu dever, como seu destino, não está escrito em nenhum lugar" [8]. "Sempre pensei - afirma outro - ser insignificante. Conhecendo as dimensões do Universo não chego a compreender quanto o sou verdadeiramente... Somos somente um pouco de lama sobre um planeta que pertence ao sol" [9].

Blaise Pascal refutou de antemão esta tese com um argumento que ainda mantém seu vigor:

"O homem é apenas um caniço, o mais fraco da natureza; mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para o aniquilar: um vapor, uma gota de água, bastam para o matar. Mas quando o universo o aniquilasse, o homem seria ainda mais nobre do que o que o mata, porque sabe que morre, e a superioridade que o universo tem sobre ele; o universo não sabe nada disso." [10].

A visão cientificista da realidade, junto com o homem, retira subitamente do centro do universo inclusive Cristo. Ele é reduzido, por usar uma expressão de M. Blondel, a "um acidente histórico, isolado do cosmo como um episódio postiço, um intruso ou um perdido na imensidão hostil e esmagadora do Universo" [11].

Esta visão do homem começa a ter reflexos práticos na cultura e na mentalidade. Explicam-se assim certos excessos do ecologismo que tendem a equiparar os direitos dos animais e até das plantas aos direitos do homem. É sabido que existem animais mais bem cuidados e alimentados que milhões de crianças. A influência é sentida inclusive no campo religioso. Há formas difusas de religiosidade nas quais o contato e a sintonia com a energia do cosmo tomaram o lugar do contato com Deus como caminho de salvação. Aquilo que Paulo dizia de Deus: "Pois nele vivemos, nos movemos e existimos" (At. 17, 28), diz aqui do cosmo material.

De certa forma, trata-se do retorno à era pré-cristã como regime de vida: Deus - universo - homem, à qual a Bíblia e o Cristianismo opuseram o regime: Deus - homem - universo. Uma das acusações mais violentas que o pagão Celso faz aos judeus e cristãos é a de dizer que "há Deus e, logo depois dele, nós, desde que fomos criados por ele à sua semelhança; tudo nos é subordinado: a terra, a água, o ar, as estrelas, tudo existe por nós e está ordenado ao nosso serviço" [12].

Mas há ainda uma profunda diferença: no pensamento antigo, principalmente o grego, o homem, mesmo subordinado ao universo, possui uma 'dignidade altíssima', como mostrou a obra magistral de Max Pohlenz, "O homem grego" [13]; aqui parece que há prazer em deprimir o homem e tirar dele qualquer pretensão de superioridade sobre o resto da natureza. Mais que "humanismo ateu", pelo menos a partir deste ponto de vista, deveríamos falar, no meu modo de ver, de anti-humanismo, ou mesmo "desumanismo ateu".

Chegamos agora à visão cristã. Celso não estava errado em derivá-la da grande afirmação do Gênesis 1, 26 sobre o homem criado "à imagem e semelhança de Deus [14]. A visão bíblica encontra sua mais esplêndida expressão no Salmo 8:

"Quando olho para o teu céu, obra de tuas mãos,

vejo a lua e as estrelas que criaste:

Que coisa é o homem, para dele te lembrares,

que é o ser humano, para o visitares?

No entanto o fizeste só um pouco menor que um deus,

de glória e de honra o coroaste.

Tu o colocaste à frente das obras de tuas mãos.

Tudo puseste sob os seus pés".

A criação do homem à imagem de Deus possui implicações de certa forma chocantes sobre o conceito de homem que o debate atual nos empurra a trazer à luz. Tudo se baseia na revelação da Trindade trazida por Cristo. O homem é criado à imagem de Deus, o que significa que ele compartilha a essência íntima de Deus que é a relação amorosa entre Pai, Filho e Espírito Santo. É claro que existe uma lacuna ontológica entre Deus e a criatura. No entanto, pela graça, (jamais esqueçam esta afirmação!) esta lacuna é preenchida, de modo que é menos profunda do que entre o homem e o resto da criação.

Somente o homem, de fato, como uma pessoa capaz de relacionar-se, participa da dimensão pessoal e relacional de Deus, é sua imagem. O que significa que, na sua essência, embora a um nível de criatura, é o que, no nível incriado, são o Pai, o Filho e o Espírito Santo, em sua essência. A pessoa criada é "pessoa" propriamente por esse núcleo racional que a torna capaz de acolher o relacionamento que Deus quer estabelecer com ela e, ao mesmo tempo, torna-se um gerador de relações para os outros e o mundo.




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