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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Carta sobre o Celibato - Parte 1

Prólogo

A experiência nos mostra que, geralmente falando, somente prestam à Igreja grande bem aqueles que professam a perfeita castidade: os sacerdotes e as religiosas, as jovens que ingressam nas Sagradas Congregações, os santos leigos que se põem ao trabalho da promoção das boas obras.

De maneira que farão bem os confessores que são imbuídos pelo zelo da religião em usar de sua diligência para ensinar aos jovens de ambos os sexos que cultivam a piedade e levam com docilidade uma vida fiel aos mandamentos divinos quão grande bem é a perfeita castidade. Exortem-nos à observância da castidade perfeita, se a tanto os virem inclinados, pois alcançarão mais facilmente a perfeição cristã e servirão com maior fruto ao bem da religião.

Isto porém os confessores não conseguirão realizar a não ser que, depostos por completo todos os preconceitos que o vulgo tem contra esta virtude, contemplarem o zelo que os Santos Padres da Igreja usaram para promoverem a perfeita castidade, a tal ponto que praticamente todos escreveram livros a este respeito; e, ademais, a não ser que também estes mesmos confessores busquem eles próprios esta virtude com grande amor, e se esforcem por levar uma vida inteiramente angélica.

A carne gera a carne; o espírito, espírito; os anjos não se procriam senão a partir dos anjos.

Ora, por ser isto coisa de imensa importância para a glória de Deus e para a santificação das almas; e porque também por parte de alguns confessores existem preconceitos danosíssimos nesta matéria, quero reproduzir aqui uma carta que publiquei em outra ocasião sobre o celibato.

A CARTA SOBRE O CELIBATO

Meu prezado amigo,

Admiro-me ter ouvido de tua própria pessoa que te consideras apóstolo da mais bela, da mais esplêndida entre as virtudes cristãs, que é a santa virgindade, e, em geral, a perfeita castidade, embora dizes também ter boas razões para dizer que talvez seria melhor deixar que cada um a abrace ou não, como mais lhe agradar, especialmente nos tempos de hoje pouco propícios, ou melhor, inimigos de tudo quanto é bom e de todo objetivo sagrado.

Quero confessar-te a verdade, e dizer-te que estou bastante surpreso, porque esta tua duplicidade, e ainda mais, toda a argumentação que usas para justificá-la mais parecem em dissonância com o teu costumeiro bom senso.

Mas é, por outro lado, este bom senso que me dá a esperança de, com apenas esta pequena carta, poder endireitar certas idéias que, perdoa-me, estão um tanto quanto tortas.

Que a virgindade e o celibato são virtudes muito louváveis e que devem ser preferidas ao matrimônio, tu o sabes, é uma verdade da qual nenhum católico pode duvidar, tendo definido o Concílio de Trento:

"Se alguém disser que o estado conjugal deve antepor-se ao estado de virgindade ou de celibato, ou não ser coisa melhor e mais feliz permanecer na virgindade ou no celibato que unir-se em matrimônio, seja excomungado".

Devemos, portanto, como católicos, concordar todos em reconhecer este dogma de fé, e crer nele como em todos os outros que nos ensina a Igreja.

Semelhantemente, não há dúvidas quanto ao fato de que a perfeita castidade é um conselho evangélico colocado em prática por uma infinidade de santos que pelas suas virtudes heróicas mereceram as honras dos altares;enquanto que não saberíamos dizer, tirando o caso dos mártires, quais fossem os santos canonizados que não cultivaram esta virtude no estado virginal ou de viúvos.

A este respeito e a respeito de todas as outras coisas que poderiam ser ditas em louvor da perfeita castidade não é necessário que nos detenhamos, pois nisto estamos em perfeito acordo. A questão está em ver se é oportuno aconselhar aos outros, especialmente à juventude, o estado de continência. Tu achas que é melhor deixar que cada um siga a própria inclinação, e isto por diversas razões que julgas boas. Ora, haverei de comentar estas razões mais tarde; vejas agora se eu sei provar- te, como se diria, a priori, que te colocas mal.

Se este conselho não deve ser dado, por que é dado pelo Santo Evangelho? E por que São Paulo o dava assim tão geralmente que, se a coisa fosse possível, teria desejado que este conselho fosse aceito por todos os cristãos:

"Quero, de fato" - diz São Paulo - "que todos vós sejais como eu"? (ICor. 7, 7).

"Todos vós", "todos vós", gostaria que fôsseis continentes, como eu o sou, "todos vós", cristãos de Corinto: e estes, ademais, não se diferenciavam dos cristãos de todo o mundo.

E por que promovia a prática da perfeita castidade com tanto ardor a ponto de ser esta, senão a causa, pelo menos a concausa de seu martírio, como se lê na história da Igreja?

E por que os sucessores imediatos dos Santos Apóstolos, e depois, todos os Padres e Doutores da Igreja foram tão fervorosos pregadores deste assunto e todos os principais dentre eles escreveram livros inteiros para exortar os fiéis a abraçarem tão exímia virtude? Vejas São Cipriano, São Gregório Nazianzeno, Santo Atanásio, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho; poderias desejar mais ardentes e mais valorosos exortadores para inflamar o povo cristão ao amor desta virtude? E no entanto viviam em tempos em que se poderiam ser ditas supérfluas tais exortações porque, como podes ver na história, esta virtude era para os fiéis um verdadeiro entusiasmo. De fato, quando lês que apenas na Oxorinca, cidade não das maiores do Egito, havia vinte mil virgens e dez mil monges, pode-se conjecturar que número haveria em todo o mundo cristão de cultores da vida casta. Não obstante isso os Santos Padres não julgavam coisa inoportuna que com as suas pregações e com os seus livros aumentassem mais ainda aquele ardor sagrado que hoje em dia nos parece já excessivo por si mesmo.

Ora, portanto, acreditava o divino autor do Envangelho, acreditava São Paulo, os homens apostólicos acreditavam, os padres e os doutores da Igreja acreditavam que a perfeita castidade fosse algo para ser aconselhado assim calorosamente; e tu, entretanto, meu prezado amigo, julgas em tua perícia que mais se deve crer que a melhor coisa é não dar palavra a respeito, nem dar este santo conselho a ninguém?

Paraste para refletir sobre a guerra que a esta virtude fazem as pessoas do mundo? Não há mal que dela não digam, e que, além disso, publiquem por escrito. E poderá ser jamais um bem que, enquanto a virtude mais bela e mais esplêndida é assim tão geralmente e impunemente caluniada, e enquanto se fomenta contra a mesma a aversão e o desprezo, aqueles que a conhecem e lhe conhecem os seus predicados divinos e a injustiça das imputações que lhe são feitas fiquem em silêncio, nem sequer uma voz se levante em sua defesa e cada um se guarda de comentar-lhe o esplendor e o mérito e de aconselhar a sua prática à juventude? Parece-te isto uma boa prudência? Ou podes ainda duvidar do teu engano?

Vamos agora comentar as razões que consideras boas, as quais, entretanto, por estarem em oposição a uma verdade manifesta, não podem ser elas mesmas senão más, isto é, sofísticas e falsas.

Tu sublinhas com muita ênfase a dificuldade de conservar perseverantemente esta virtude. Parece que se deveria dizer que és do número daqueles que julgam a continência uma virtude reservada a poucas almas privilegiadas, fora das quais nenhuma pessoa pode aspirar a ela sem culpa de presunção, e sem manifesto perigo de ruína.

Mas eu devo observar ser isto uma fina arte do demônio, da qual, cada vez que lhe convém, o mundo se serve. Não sabendo nem sequer o demônio como esconder os predicados sobrehumanos da santa castidade, faz parecê-la aos homens uma virtude tão alta e que tanto excede as forças da fraqueza humana que a ela não podem aspirar senão os incautos e os presunçosos; e também o mundo, seu inimigo jurado, com a mesma boa fé do demônio, à sua semelhança, se mostra às vezes admirado com a sublimidade desta virtude, desde que, todavia, fiquem os homens dissuadidos de abraçá-la. Nada importa ao demônio e nada importa ao mundo que os cristãos tenham em abstrato grande estima da continência, como o tinham os gentios que diziam maravilhas das Vestais, assim como dos cristãos, desde que esta virtude fosse proibida na prática, como de fato era proibida por lei no mundo antigo.

E é verdadeiramente uma surpresa ver homens inteligentes, como tu também és, com a alma tão presa a este preconceito como a uma dificuldade quase insuperável, que falam da vida cristã como de um dom de Deus que devesse ser comparado em pé de igualdade, ou pouco menos, com o dom de falar em línguas desconhecidas e de dar vista aos cegos de nascença.

Vejamos se nos entendemos, meu prezado amigo: se a ti parece dificílima a prática da castidade perfeita para a fraqueza humana abandonada a si mesma, estamos de perfeito acordo, e se tu dizes ser dificílima, eu acrescento que é impossível. Mas aqui não estamos falando do poder que tenha a fraqueza humana deixada a si própria; estamos falando do poder que tem sobre ela a graça onipotente de Deus. Ora, vejas que coisa totalmente diferente: tu aceitarias se eu te dissesse que a graça onipotente de Deus torna fácil à fraqueza humana aquilo que sem ela seria dificílimo e impossível? Pois bem, não apenas eu, mas tu também comigo, junto com todos os demais católicos, dizemos que uma vida perfeitamente casta não pode senão ruir sem a ajuda daquela graça, que Deus dá abundantemente a quem a pede, e vive com as cautelas necessárias para conservá-la.

Superada a dificuldade da fraqueza humana, eu te rogo que observes se são poucos e raros no mundo aqueles que de fato são obrigados a viver em perfeita continência. Tu talvez dirás que esta é uma virtude livre, que ninguém é obrigado a praticá-la, exceto aqueles que, por terem feito um voto especial de castidade, ou por uma lei eclesiástica, à qual se submeteram voluntariamente, tenham renunciado ao estado de matrimônio; e, enquanto permaneceres no domínio do abstrato, dizes otimamente. Mas se desces ao terreno da realidade dizes muito mal. Duvidas? Então, anuncia a todos os jovens que completarem seus quatorze anos, e a todas as jovens que completarem os doze, que todos eles estão livres para se casarem. Não os farias rir? Os jovens deverão esperar, geralmente falando, os vinte e cinco anos, muitos os trinta e mesmo mais; as jovens os dezoito, os vinte, etc.. E anuncia também que estão livres para se casarem todas as centenas de milhares que estão no serviço militar, todos os deformes e enfermos, todos os desempregados incapazes de ganhar um pedaço de pão para matarem a fome, todas as moças deformadas, doentes, sem nenhuma habilidade útil, sem um tostão de dote. Diga a todos estes que estão livres para se casarem. Muitos irão rir como os jovens, e não poucos se mostrarão como que ofendidos por um insulto ou desprezo. No campo da abstração são todas pessoas que podem se casar; mas no terreno da realidade são todas pessoas que devem observar continência perfeita, e nada menos que sob pena de pecado mortal; porque não tendo eles possibilidade ou ocasião de matrimônio, devem permanecer no estado de celibato e violando a castidade mesmo que apenas com o pensamento cometeriam uma culpa grave, como nos ensina a moral cristã mais elementar.

Terias curiosidade de saber quantas sejam na Província de Gênova aqueles que em abstrato podem se casar, mas que na realidade devem permanecer no celibato? Eis a estatística de 31 de dezembro de 1857. A população total é de 313.402 indivíduos. Entre estes os cônjuges são 103.962; os solteiros e as viúvas 210.610, isto é, mais de dois terços. É verdade que destes devem ser descontados aqueles que estão abaixo da idade da puberdade; mas entende-se que o número das crianças abaixo da puberdade não chega a um terço da população total. E mesmo que chegasse, mais da metade dos habilitados ao matrimônio ficariam de fato obrigados à continência. E é notável também que muitos dos casados se somem a este número, isto é, todos aqueles que por necessidade de família, por enfermidade, por maus tratos ou desordens do outro cônjuge, vivem separados, e destes não tenho medo de errar se afirmo que hoje em dia são muitos. Depois, não é de se supor que as estatísticas das outras províncias, reinos ou impérios difiram sensivelmente da estatística da Província de Gênova.

Ora, bem, uma virtude para a qual na realidade está obrigada uma tão grande parte da população, poderá ser dita virtude tão difícil e quase impossível de se guardar senão por poucos privilegiados que tenham obtido de Deus algum dom extraordinário? Como teria então Deus provido a todos os outros pobrezinhos que de fato devem também viver em continência e sob pena de uma pequena bagatela que é um pecado mortal, a qual merece por justiça nada menos do que um inferno eterno?

A suposição de que a castidade perfeita seja assim tão difícil de se guardar, e que seja um dom extraordinário de Deus, não te parece um gravíssimo preconceito, sumamente injurioso à providência divina?





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