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domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Moralidade no Antigo Testamento ( II ) - EB Parte 4

A luta misteriosa de Jacó significa, portanto, uma dobra na vida do Patriarca: de conquistador trapaceiro e turbulento, ele havia de se tornar o triunfador abençoado, alheio às maquinações ilícitas e confiante em Deus só.36

O valor destas explicações não impede ainda que se pergunte: mas por que terá Deus escolhido tal varão para colocá-lo à frente do povo messiânico, na linhagem dos grandes precursores de Cristo? Não será isto uma insinuação de que a fraude ainda hoje poderia ser abençoada?

O Senhor quis escolher o "Suplantador" para ensinar aos homens que os dons divinos são absolutamente gratuitos; não é a criatura que, por seus títulos naturais, suscita a munificência divina; esta se atua também sobre os que nada de meritório têm, pois a graça pode fazer dos iníquos os justos que sirvam a uma obra perfeita. O Senhor, portanto, queria escolher, dentre os dois filhos de Isaque, o mais destituído de qualidades, ou seja, o mais jovem, propenso a suplantar fraudulentamente. Mas nem por isto violentou a personalidade humana de Jacó; deixou que se afirmasse com liberdade, para finalmente envolver mesmo a miséria de tal homem dentro da obra da Redenção; a bondade de Deus triunfou em Jacó, como triunfou em outros varões indignos, herdeiros da promessa messiânica, de sorte que foi pelos miseráveis que Deus quis libertar da miséria a criatura.37 Esta afirmação, porém, de modo nenhum implica que ao homem seja lícito agir contra a consciência ou fraudulentamente, alegando que Deus salva os pecadores. O Senhor salva, sim, mas não "tem obrigação" de o fazer; salva segundo um plano muito belo e harmonioso, a nós desconhecido (cf. Rm 9,15s); por isto ninguém presumirá abusar da Misericórdia, lançando-se voluntariamente num abismo de que não se pode retirar por suas próprias forças. Para o homem, portanto, fica sendo única norma inabalável: cumprir em todo tempo a Vontade de Deus tal como a consciência a manifesta.

Judite, Aod e Jael :

A amabilidade a serviço do morticínio (...)

O livro de Judite nos apresenta a história de uma viúva israelita que, pela astúcia, salvou a sua cidade, Betúlia, assediada pelo General assírio Holofernes. Quando os seus concidadãos já perdiam à confiança no auxílio divino, Judite revestiu-se dos ornamentos mais valiosos e, dada a sua beleza, conseguiu entrar no acampamento inimigo; apresentou-se ao General como a desertora que lhe havia de denunciar os segredos aptos para captar Israel; Holofernes acolheu-a com carinho e, após alguns dias, excitado pela paixão, ofereceu-lhe uma ceia, durante a qual se embriagou; a alta noite, deixada a sós na tenda com o General adormecido, Judite aproveitou a ocasião para decepá-lo. A seguir, alegando às sentinelas que ia rezar fora do acampamento, voltou para Betúlia, onde estimulou a sua gente ao ataque; este foi vitorioso para Israel, pois o pânico se apoderara dos assírios estupefatos.

Em poucas palavras, Judite parecer ter enganado; a seguir, matou. E o Senhor (...), em vez de a punir, abençoou-a, dando-lhe pleno êxito. Que significa isto?

Para aproximar-nos da reta interpretação, recordemo-nos de que estamos diante de um episódio das guerras de Israel, as quais, na Sagrada Escritura, tomam o significado de luta entre o reino de Deus e o reino de Satanás, entre a luz e as trevas; são combates, pois, em que todo o fervor religioso se acha empenhado e, o que não é para desprezar, fervor de orientais exuberantes e rudes.

Nessa luta, eis que Judite foi ambígua em suas atitudes e palavras. Fez o papel de fugitiva; procurou seduzir por sua beleza feminina e suas expressões de duplo sentido (note-se: dando a entender a Holofernes que denunciaria os segredos da derrota de Israel, não mentiu, pois, de fato, disse ao General que somente a apostasia religiosa seria capaz de prostrar aquele povo - o que era verdade; cf. 11, 1-12, Holofernes, porém, entendeu que lhe seriam revelados segredos estratégicos). Procedimento e declarações como os de Judite em tempo de guerra são por si mesmos suspeitos; não enganam senão os imperitos ou os obcecados, como Holofernes; se este não estivera detido pela concupiscência, poderia ter desconfiado de um ardil de guerra; ora os estratagemas jamais foram condenados entre beligerantes. Observe-se, outrosssim, que Judite procedeu depois de ter orado e várias vezes pedido ao Senhor que abençoasse o seu empreendimento (cf. 9, 1-14; 12, 5-9; 13, 6s); não teve, pois, consciência de ofender a Deus; ao contrário, era impelida pelo zelo religioso que a vida continente e piedosa nela havia acendido. A sua consciência é assim isenta de culpa subjetiva.

Deus quis dar pleno êxito à tarefa de Judite (...). O que o Senhor assim sancionou não foi tanto o modo de agir da heroína; o expediente a que esta recorreu era condicionado pelos costumes bélicos da época. O que o Senhor houve por bem confirmar em Judite e propor a todos os homens (também aos cristãos) é a fé dessa mulher, que continuou a crer no auxílio divino quando os concidadãos já perdiam todo o entusiasmo teocrático. Deus recompensa a fidelidade, e serve-se dos humildes, piedosos (Judite) para prostrar os soberbos e ímpios (Holofernes e seu exército); eis a tese perene que o livro de Judite nos comunica através de seus dizeres circunstanciados pela mentalidade de uma época!

O feito de Judite tinha dois precedentes semelhantes nos primórdios de Israel (época dos Juizes, 1160-1020 a.C.):

O Juiz ou chefe israelita Aod, tendo ido certa vez pagar o tributo a Eglon, rei de Moab, que oprimia o povo de Deus, alegou Ter um oráculo de Deus a transmitir ao monarca. Deixado então a sós com Eglon, tirou de sob o manto uma espada que trazia oculta e, enfiando-lha na carne, matou-o desapiedadamente (Jz 3, 15-22).

Jael, mulher cineia, estrangeira aliada a Israel, recebeu em sua tenda o chefe cananeu Sisará, que fugia derrotado em guerra pelos israelitas; mostrou-se disposta a ocultá-lo, a fim de que não fosse capturado pelos vencedores. Fê-lo, pois, deitar-se a recobriu-o cuidadosamente; a seguir, tendo Sisará adormecido, com um martelo enfiou-lhe nas têmporas um piquete, que lhe perfurou por completo o crânio e o deixou morto, fixo ao solo (Jz 4, 17-22).

Difícil será proferir um juízo sobre a moralidade desses atos. À diferença do que se dá no livro de Judite, o texto sagrado de modo nenhum insinua que tenham sido inspirados por Deus ou feitos após oração ao Senhor. Pode Ter havido culpa em Aod e Jael (...). Não é isto o que o Autor Sagrado quer julgar quando relata os dois episódios; ele os narra com toda a objetividade, não para os propor como norma, mas para mostrar como Deus, permitindo que a natureza humana atue os seus instintos, sabe, não obstante, fazê-la cooperar para a realização de um plano sábio; 38 mais uma vez, a Escritura dá a ver que a própria imperfeição do homem, no plano do Criador, pode ser aproveitada para comunicar benefícios divinos. Eis o que os episódios de Aod e Jael devem significar para o leitor moderno.

§ 6º PUREZA E IMPUREZA RITUAL
A Lei mosaica enumerava longa série de atos e ocasiões que tornavam o homem "impuro", impuro, porém, do ponto de vista meramente legal, extrínseco, sem que contraísse necessariamente alguma culpa em consciência. Assim, por exemplo, era considerado imundo quem comesse ou simplesmente tocasse certos animais --a lebre, o porco, a águia, a avestruz, o cisne ... (cf. Lv. 11, 1-47), quem tocasse objetos julgados impuros (cf. Lv 11,44s,; 20, 25s), quem fosse acometido por lepra (cf. Lv 13, 1-14, 57), gonorréia (cf. Lv 15, 1-17), hemorragia crônica (cf. Lv 15, 25-30); impuros eram também os cônjuges após o ato conjugal (cf. Lv. 15, 18), a mulher após o parto (cf. Lv 12, 1-8). O impuro não era reabilitado senão após um ou mais dias, devendo finalmente sujeitar-se a um ritual de purificação (banho, oferta de sacrifício ...).

Quem lê essas minuciosas prescrições do mosaísmo concebe sem demora duas questões importantes:

As leis de pureza e impureza ritual têm seus paralelos em cultos pagãos da antigüidade e dos nossos tempos. Onde está, pois, a originalidade da religião judaica? Como é então revelada por Deus?

Abstração feita da origem dos preceitos de pureza legal, não será que a pureza ou a santidade inculcada pelo Antigo Testamento era algo de meramente exterior, ritual, independente da vontade e da pureza interior, moral? Havia no mosaísmo um autêntico conceito de santidade?

O termo hebraico qodesh (santidade) implica a idéia de separação; daí concluírem alguns autores que a santidade originariamente para os judeus significava pureza de ordem física, ou simplesmente limpeza; assim, por exemplo, escrevia Renan:

"As idéias de pureza e impureza eram a princípio equivalentes às de limpeza e sujeita (...). A higiene e a limpeza foram uma das principais preocupações dos antigos legisladores", Histoire du peuple d'Israel, IV (Paris), 55s.

Certas leis que visavam a garantir a saúde pública teriam sido sancionadas em nome da religião pela autoridade competente, a fim de se assegurar mais eficazmente a sua fiel observância (em regiões de clima quente, como as que habitavam os antigos semitas, era rigorosamente necessário que o povo rude ou infantil não negligenciasse certas cautelas de higiene!).

Eis a resposta global que se há de dar a essas duas questões:

É inegável que muitas das prescrições mosaicas concernentes à pureza exterior são análogas às de povos pagãos antigos e modernos. Observa-se, porém, em todas as tribos primitivas que tais normas não têm significado meramente higiênico, utilidade medicinal apenas, mas geralmente possuem valor religioso. Com efeito, não se poderia assinalar para cada qual dessas determinações uma causa respectiva, de ordem unicamente natural ou fisiológica; não, elas muitas vezes só se explicam por motivos religiosos ou "místicos", isto é, porque os homens julgavam haver nexo especial entre tal objeto ou tal animal, tal doença ou tal função fisiológica, e determinada divindade;39 era, pois, o respeito à Divindade que de maneira geral ditava tais observâncias de caráter aparentemente profano.
Ora o povo de Israel, oriundo do ambiente pagão da Mesopotâmia, desde as suas origens, ou seja, desde os tempos de Abraão (ca. De 1800 a.C.), conheceu usos de pureza e impureza legal; os seus antepassados caldeus os observavam. Retirando-o da terra idólatra e constituindo-o como nação independente, agraciada pela revelação da verdadeira fé, Deus não quis simplesmente extirpar as observâncias tradicionais da gente de Abraão; a pedagogia divina sempre teve por tática tomar o homem como ele é, e pacientemente elevá-lo a maior perfeição. Por conseguinte, quando em 1240 Moisés, em nome de Deus, promulgou a Magna Carta de Israel, incluiu nela as prescrições rituais já vigentes em sua nação. Apenas tratou de incutir espírito novo, significado superior, a tais observâncias; removendo tudo que poderia Ter saber de superstição dou de algum modo lembrar a idolatria, procurou fazer desses usos o estímulo para que os israelitas, observando uma pureza exterior, ritual, se tornassem outrossim ciosos da fidelidade a Deus, ou seja, de pureza moral, interior (muito mais importante!): "Vós vos santificareis e sereis santos, porque sou santo, e não vos tornareis impuros" (Lv 11,44).





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