top

create your own banner at mybannermaker.com!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Culto dos Santos - EB (Parte 2)

Ora Deus, que é o autor dessa comunhão solidária, não permite que ele se extinga com a morte; na verdade, a chamada "morte" não é extinção da vida, mas transição de uma modalidade de vida para outra. Ao contrário, a morte liberta o cristão dos entraves do pecado e da sedução das paixões, permitindo que o seu amor a Deus e aos irmãos se torne mais puro. Disto se segue que a comunicação de amor fraterno entre vivos e defuntos não somente seja possível, mas venha a ser mesmo uma consequência do aperfeiçoamento do amor dos que passaram para o além. O Senhor Deus se encarrega de os tornar clientes das necessidades dos seus irmãos na terra, já que sem essa intervenção de Deus não haveria intercâmbio entre cristãos peregrinos e cristãos consumados. Por conseguinte, a oração dos Santos pelos viandantes deste mundo é o desdobramento do seu amor a Deus e ao próximo, que caracterizou a sua vida na terra e agora é pleno ou livre de obstáculos. Os justos falecidos querem ajudar-nos a atingir o termo de nossa vocação, que é "participar da sorte dos Santos na luz" (Cl 1, 12). O amor e a bondade dos Santos, isto é, aquilo que constitui a santidade, permanecem para sempre.

Foi esta argumentação que moveu os mestres da Tradição cristã a professar a intercessão dos Santos pelos irmãos na terra. Eis aqui três testemunhos:

Orígenes de Alexandria (+ 250), no seu Tratado sobre a Oração, recolhe as passagens bíblicas que falam da intercessão dos Santos e dos profetas, e propõe a seguinte reflexão: as virtudes cultivadas nesta vida são definitivamente aperfeiçoadas no além. Ora a mais valiosa de todas é a caridade; esta portanto na outra vida é ainda mais ardente do que na vida presente. Por conseguinte, os Santos falecidos exercem seu amor para com os irmãos na terra mediante a intercessão dirigida a Deus em favor das necessidades desses peregrinos. Ver "Sobre a Oração" n.º 11,2.

S. Tomás de Aquino (+ 1274) professa semelhante doutrina. Pergunta, na Suma Teológica 11/11/83, 11, se os Santos na pátria rezam por nós. E responde afirmativamente; sim, a oração pelos outros decorre do amor ao próximo. Ora, quanto mais perfeitos no amor forem os Santos na outra vida, tanto mais hão de rezar pelos peregrinos na terra, a fim de os ajudar a chegar à vida eterna.¹

Até mesmo o pensador protestante Gottfried W. Leibniz (+ 1716) declara não entender por que não se deve recorrer aos Santos na oração. Mais: chama a atenção para a estrutura cristocêntrica e teocêntrica dos nossos pedidos aos Santos, que, conforme Leibniz, obedecem ao seguinte modelo:

"Considera, ó Deus, as tribulações que eles (os Santos) suportaram por tua graça em prol do teu nome; ouve as suas orações, às quais o teu Filho unigênito conferiu força e valor".¹

O motivo pelo qual os bem-aventurados respondem às nossas preces, é o seu amor muito vivo:

"Os bem-aventurados olham agora para as nossas vicissitudes muito mais do que durante esta vida terrena e vêem tudo de mais perto (...). O seu amor e a sua vontade de ajudar são muito mais ardentes e as suas orações muito mais eficazes do que durante a vida terrena. É certo que Deus escuta também as orações dos vivos e que nós esperamos proficuamente que as nossas orações se unam às dos irmãos. Não vejo, por isto, razão pela qual devamos duvidar da idéia de invocar um bem-aventurado ou um anjo santo e de implorar a sua intercessão e a sua ajuda" (obra citada, p. 190).

Merece especial atenção o fato de que a oração aos Santos e a intercessão dos Santos não derrogam à unicidade do Salvador e Mediador Jesus cristo. Ao contrário, esse intercâmbio entre vivos e mortos decorre da obra redentora de Cristo e dá glória ao Salvador; é expressão da excelência dessa salvação. Mais ainda: os Santos são relativos a Jesus Cristo; tudo devem a Este e em tudo encaminham os seus irmãos para Jesus, como notava o Concílio do Vaticano II citado à p. 268 deste fascículo.

Os Santos não são doadores nem fontes de graças; são apenas advogados, que intercedem por eficácia da mediação salvífica de Jesus Cristo.

Questões complementares

1. À luz destas verdades, compreende-se também a legitimidade do culto das relíquias. Estas são fragmentos dos ossos dos Santos ou objetos que serviram ao seu uso. Ora todas as culturas praticaram o respeito e a veneração (não a adoração) tanto dos despojos mortais como dos pertences de seus heróis. Que se pode objetar a uma viúva que tenha diante dos olhos a fotografia do marido e conserve carinhosamente os objetos usados por ele? Como seria violento e antinatural impedir a tal viúva a veneração das relíquias do marido, é também violento, para um cristão, impedir-lhe que guarde a estima aos sinais materiais que lembram os heróis da fé.

É certo outrossim que a profissão de que os homens ressuscitarão no fim dos tempos, incutiu grande apreço aos despojos mortais dos Santos, elevados à dignidade de templos do Espírito Santo durante a vida presente (cf. 1Cor 6,15-20). - Verdade é que Deus não recolherá as cinzas esparsas do cadáver para provocar a ressurreição, mas a matéria primeira (no sentido aristotélico-tomista) unida à alma do indivíduo assumirá as feições do respectivo corpo, tornando-se a carne gloriosa correspondente a tal alma.

Os abusos registrados no decorrer da história quanto ao culto dos Santos não são razão suficiente para se condenar a devoção aos mesmos e às suas relíquias.

2. É claro, porém, que a veneração dos Santos em suas diversas modalidades fica sendo algo de facultativo para cada fiel católico. Contudo seria muito estranho que um católico não tivesse devoção alguma a Maria Santíssima, a mais bendita de todas as mulheres (cf. Lc 1, 42) e a Mãe da Vida, a nova Era; a devoção a Maria decorre da própria vocação do cristão a ser "um outro Jesus" (cf. Rm 8, 29). Com efeito; quanto mais alguém é um outro Jesus, tanto mais também é devoto filho de Maria, pois Jesus foi todo o Filho do Pai (como Deus) e todo filho de Maria (como homem). Assim a devoção a Maria resulta logicamente do Cristocentrismo da piedade cristã.

3. Ainda uma observação: há Santos tidos como protetores em especiais situações de necessidade: assim Santa Edviges seria a intercessora dos endividados; Santa Rita de Cássia, a dos fiéis envolvidos em problemas insolúveis; Santo Antônio de Pádua, o tutor dos namorados e noivos... Essa relação entre o Santo e determinada carência dos irmãos peregrinos deve ter fundamento na vida do respectivo Santo; é de crer que este tenha obtido grandes graças de Deus outrora em ocasiões semelhantes às dos seus devotos. - Tal relacionamento é aceitável, mas não deve degenerar em superstição.

4. Verifica-se assim a legitimidade e até mesmo a conveniência do culto dos Santos. Quem compreendeu bem o que é o Cristianismo, não o pode imaginar sem essa comunhão viva entre os membros do Corpo de Cristo, quer estejam ainda peregrinando na terra, quer já se achem na glória do céu. Somente os abusos e as caricaturas puderam desfigurar essa tão bela realidade, levando muitos cristãos a negá-la; negam-na simplesmente porque estão equivocados a respeito.

5. A imagem do Santo deve pairar nitidamente ante os olhos do cristão, pois o Santo é o reflexo mais límpido de Deus e é o ser humano realizado por excelência. O bom médico, o bom músico, o bom cientista podem ser homens maus, mas o Santo será sempre um homem bom (ou uma mulher boa); será um homem tão perfeito quanto possível dentro das limitações humanas. Há, pois, necessidade enorme de Santos em nosso mundo; são o tesouro e a riqueza da Igreja (a concretização dos méritos de Cristo, fonte de toda santidade) e o autêntico patrimônio da humanidade. Por isto o mundo não pode deixar de clamar: "Senhor, dá-nos Santos!"

A propósito muito se recomenda o livro de Wolfgang Beinert, O Culto aos Santos Hoje. Ed. Paulinas, São Paulo 1990.

Ver também PR 336/1990, pp. 220-236 (Cristianismo e paganismo).

Apêndice

Um testemunho eloquente

Para ilustrar as verdades da fé, são muito significativos os exemplos dos próprios Santos e justos que as viveram e vivem concretamente. - Daí a conveniência de se citar aqui o testemunho de fim de vida do Pe. Júlio Fragata S. J., que faleceu em Portugal aos 27/12/1985.

Nascido em 1920, o Pe. Fragata S. J. foi professor universitário em Braga e no Porto e Superior Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus. Era homem de grande erudição associada a modéstia e discrição. Revelou a riqueza de sua vida espiritual no fim da sua existência terrestre, como se poderá depreender dos trechos e notícias que se seguem:

1. Às vésperas de ser operado de um câncer no estômago, registrava em seu "Diário Espiritual":

"Tenho sentido certa alegria em deixar este mundo como, quando e onde o Senhor quiser, entregando-lhe totalmente todo o meu fim de carreira aqui. Mas hoje, na Eucaristia, senti que, assim como Jesus, deixando este mundo, começou a fazer ainda maior bem nele, também só desejo deixar este mundo para que, do outro mundo, tenha ocasião de fazer ainda maior bem. Só "passando a fazer bem" se dá real glória a Deus; e creio que o Senhor disporá que termine a minha vida neste mundo quando estiver em circunstâncias de fazer, do outro mundo, maior bem neste mundo. Quero pedir a Nossa Senhora que me ampare nesta vida, para que nela seja de tal modo purificado que, ao sair deste mundo, possa logo começar a fazer maior bem aqui. Senti rápida, mas elevada consideração neste pensamento"

2. Freqüentemente sublinhava que o sofrimento era uma riqueza que não se podia desperdiçar, que a sua partida para Deus ia ser benéfica, uma graça para ele e para os irmãos. Assim, afirmava no seu Depoimento, transbordante de esperança e otimismo cristãos:

"Na expectativa de tudo o que me pode acontecer, desejo evitar esbanjar aquilo que mais se esbanja neste mundo, que é o sofrimento. Porque o sofrimento sem amor é um esbanjamento.

No Calvário, três estão crucificados: o mau ladrão, que não aceita o sofrimento, apesar de padecer; o bom ladrão, que o aceita e por isso ouve de Jesus as consoladoras palavras: "Hoje estarás comigo no Paraíso". Mas há também o sofrimento de Cristo, onde culmina o amor numa eficácia da Redenção. Pedir-Te-ei demasiado, Senhor, se o sofrimento que me espera for mais que mera aceitação, tornando-se entrega voluntária como a Tua, em holocausto pela salvação do mundo? ... Tu conheces a minha fragilidade e como preciso do Teu perdão; penetras também a minha ânsia de ser contigo "cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". Aceita, Pai, a minha entrega e dá-me a força do Teu Espírito para que habite em mim a fortaleza de Cristo" (25/09/85).

3. Atesta o Pe. Manuel Morujão, Superior da Comunidade jesuíta na Faculdade de Filosofia de Braga, de que o Pe. Júlio Fragata era membro:

"Das ideias que mais freqüentemente lhe ouvi repetir nos seus últimos meses, era o sublinhar insistente que a sua partida para a Casa do Pai ia ser um bem para nós, que por nós iria interceder junto de Deus, que de lá nos poderia ser mais útil e fazer maior bem. Poucos meses antes da sua partida, conversávamos à mesa sobre qual seria a nossa ocupação na eternidade. De súbito nos interrompeu, com voz de quem conhece a verdade por dentro: - No céu, ama-se! O descanso eterno é sumamente ativo em amor, em Deus-Amor.

Demos a palavra ao Pe. Fragata através desta página do seu "Diário Espiritual":

"Tenho recebido tantas visitas, telefonemas, cartas, mostras de dedicação e carinho por parte de médicos, pessoas que me tratam (...), que não sei como demonstrar o meu reconhecimento (....)

Bem sei que tudo é graça Tua e que Tu és Aquele que compensa todo o bem que se faz. Julgo que me prometeste compensar todas as atenções para comigo nesta doença, dum modo muito singularmente especial, como se elas fossem dirigidas diretamente a Ti. Obrigado! Mas também sei que assim como neste mundo toda a dedicação deve ser reconhecida por aquele que a recebe, no outro mundo Tu me darás possibilidades misteriosas, mas eficazes e reais, de poder mostrar este reconhecimento. Julgo que isto é uma consequência necessária da nossa unidade em Ti, em comunhão de Santos.

Momentos depois tive a convicção de que o Senhor me atendia este desejo e que faria com que, do Céu, fizesse muito bem em união com Cristo. Também senti que Ele estará comigo até a morte dando-me grande fortaleza.

Acredito, Senhor, nas surpresas do Teu Amor, mesmo quando estas são dolorosas. Entrego-me à Tua vontade, que quero fazer minha" (05/10/1985).

O Pe. Fragata partiu para chegar mais até nós. Separou-se de nós para se tornar mais próximo nosso. Perdeu a vida para a ganhar mais em plenitude (...) Mais perto de Deus, mais perto de nós. Partiu com um propósito: fazer maior bem. Quem está em Deus, não pode deixar de cumprir!"
(Passagens extraídas de COMMUNIO, edição portuguesa, janeiro/fevereiro 1986, pp. 87-89).

Eis um dos mais belos comentários de quanto foi dito sobre a comunhão e a intercessão dos Santos. O Pe. Júlio Fragata S. J. teve consciência destas realidades transcendentais e quis vivê-las plenamente; elas o ajudaram a considerar a "morte" com um olhar diferente, profundamente cristão; ele sabia que não se tornaria estranho a seus irmãos peregrinos na terra, mas exerceria viva solidariedade com eles!

¹ Diz a propósito a Bíblia de Jerusalém em nota de rodapé a 2Mc 15, 14: "Esse papel conferido a Jeremias e a Onias é a primeira atestação da crença numa oração dos justos falecidos em favor dos vivos".

¹ Canonizar é inserir no cânon ou catálogo dos Santos.

¹ "Cum oratio pro aliis facta ex caritate proveniat... quanto sancti Qui sunt in patria sunt perfectioris caritatis, tanto magis orant pro viatoribus, Qui orationibus adiuvari possunt".
¹ Leibnizens System der Theologie. Nach dem Manuskripte von Hannover ins Deutsche übersetzt von R. Räss und Dr. Weis. Mogúncia, 3.ª edição 1825, p. 158.



Nenhum comentário:

Postar um comentário